
Aula 2
Infecções urinárias na gravidez
Objetivos de aprendizagem:
- Distinguir as formas clínicas da infecção urinária na gravidez.
- Compreender o significado de “rastreio” para Bacteriúria Assintomática.
- Orientar a gestante a colher uma amostra de urina.
- Avaliar se a gestante está usando corretamente a medicação.
- Identificar sinal de alarme na urocultura (presença de bactérias).
-
Identificar sinais clínicos de alarme: febre e dor lombar.
Apresentações clínicas da infecção do trato urinário na gravidez
Os agentes comunitários de saúde desempenham um papel essencial no acompanhamento de gestantes durante o pré-natal, especialmente na identificação precoce de sinais e sintomas que possam indicar complicações. Entre essas condições, destacam-se as infecções do trato urinário (ITUs), que embora comuns, exigem atenção especial durante a gravidez. Compreender as formas de apresentação clínica das ITUs em gestantes é fundamental para promover um cuidado adequado, orientar corretamente as pacientes e colaborar com a equipe de saúde na prevenção de futuras complicações.
As infecções urinárias podem se apresentar de duas formas:
Bacteriúria assintomática

Quando a gestante não sente sintomas.
Infecção sintomática

Cistite e a pilelonefrite.
Porque este problema é relevante?
As infecções do trato urinário (ITUs) em gestantes continuam a representar um problema clínico relevante e um grande desafio para os pré-natalistas.
Embora a incidência de bacteriúrias nesta população seja apenas ligeiramente maior do que em mulheres não grávidas, suas consequências tanto para a mãe quanto para o feto podem ser graves.
> Riscos associados à ITU na gestação
- Há um risco significativamente maior (até 40%) de progressão para pielonefrite.
- Possivelmente há aumento do risco de:
- Pré-eclâmpsia.
- Nascimento prematuro.
- Baixo peso ao nascer neonatal.
> Alterações no trato urinário na gravidez
Clique aqui e assista ao vídeo do Encontro com o Especialista Dr. Edson Borges, médico obstetra do Hospital Sofia Feldman/Belo Horizonte e conheça as principais questões sobre Infecção Urinária na Gestação.
O exame de urina - Urocultura
O exame de urina é importante porque permite identificar infecções do trato urinário, mesmo quando a gestante não apresenta sintomas. Isso ajuda a prevenir complicações sérias, como infecção nos rins (pielonefrite), parto prematuro e baixo peso ao nascer. Por isso, deve ser realizado em todas as fases do pré-natal.
> Como colher a amostra de urina
É importante esclarecer a gestante como é feita a coleta da urina. Entenda no esquema a seguir:

> Bacteriúria assintomática
A bacteriúria assintomática é definida como o isolamento de uma bactéria no exame de urocultura ou cultura de urina, em uma mulher que não apresenta sintomas. Isto é, em uma mulher assintomática.
Vários exames são utilizados para o diagnóstico de infecção urinária em mulheres sintomáticas ou assintomáticas. Estes exames são: EAS (Elementos Anormais no Sedimento), Gram de gota e urocultura.

Atenção!
EAS ou Gram de Gota mostram alterações urinárias que podem estar presentes se houver infecção urinária. A urocultura mostra qual bactéria está presente na urina, e qual antibiótico elimina esta bactéria (antibiograma). Por isso, dizemos que os exames rápidos indicam uma probabilidade de infecção urinária, mas apenas a urocultura estabelece o diagnóstico de certeza.
EAS e Gram de Gota são exames rápidos, porque o resultado geralmente é liberado no mesmo dia. A urocultura, pelo contrário, requer 2-3 dias para ser liberada. Exames rápidos são úteis quando a paciente apresenta sintomas urinários, porque o médico pode fazer o diagnóstico e iniciar o tratamento no mesmo dia do atendimento. Por isso são muito utilizados em serviços de Pronto Atendimento.
Mas os exames rápidos não são úteis para pacientes assintomáticas, porque resultados alterados não indicam com certeza o diagnóstico. Indicam apenas uma probabilidade maior de infecção urinária. Por isso, EAS e Gram de Gota não são úteis para o diagnóstico de bacteriúria assintomática. O exame pode ter alguma alteração, mesmo que a paciente não tenha infecção. Isso pode levar ao uso desnecessário de antibióticos. Em pacientes sem sintomas, apenas a urocultura é capaz de estabelecer um diagnóstico.
A pesquisa ativa da bacteriúria assintomática por meio da urocultura é fundamental, pois o tratamento adequado pode evitar complicações graves tanto para a mãe quanto para o bebê.
Infecções sintomáticas do trato urinário
> Cistite
Estudo de caso: keyla
- G2P1nA0, gestante de 29 semanas.
- Queixa de desconforto para urinar e polaciúria (urinar muitas vezes).
- Urocultura normal no primeiro trimestre.
- Sem febre.
- Estado geral bom, alimentação normal.
- Exame clínico: normal.
- Frequência cardíaca (FC): 80 bpm.
- Temperatura (Tax): 36,5°C.
-
Giordano negativo (sem dor lombar à percussão).
Como deve ser a conduta em gestantes com sintomas urinários?
> Tratamento empírico, baseado em sintomas apenas (sem realizar exames)
Diante de um quadro como esse, é fundamental avaliar cuidadosamente a conduta a ser adotada. Em mulheres não grávidas, o tratamento empírico com antibióticos baseado apenas em sintomas urinários típicos — como disúria aguda, urgência ou aumento da frequência — é uma prática racional, desde que não haja secreção vaginal associada. Essa conduta está respaldada por evidência de qualidade B. No entanto, durante a gestação, esse raciocínio muda. A presença de sintomas urinários em mulheres grávidas nem sempre indica infecção urinária, pois alterações hormonais e anatômicas próprias da gravidez podem causar queixas semelhantes, como urgência e frequência urinária, sem que haja cistite ou bacteriúria.

Você sabia?
Disúria aguda refere-se à sensação de dor, queimação ou desconforto ao urinar, que surge de forma súbita e intensa.
Durante a gravidez é comum a mulher sentir mais vontade de urinar ou sentir um leve desconforto ao urinar. Esses sintomas, como urinar com mais frequência ou sentir ardência (disúria), podem acontecer mesmo sem que a gestante tenha infecção urinária.
Um estudo feito em Uganda, por exemplo, analisou mais de 2.500 amostras de urina de gestantes. E sabe o que descobriram? Só 4% delas tinham infecção confirmada pelo exame de cultura de urina. Isso quer dizer que, em 96% dos casos, o tratamento iniciado com base apenas nos sintomas foi desnecessário.
Este mesmo estudo mostrou elevada prevalência de resistência aos antibióticos comumente prescritos (ampicilina/amoxacilina 66%; amoxacilina-clavulanato 38%; cefalexina 18%; nitrofurantoína 8%). Embora o perfil de sensibilidade aos antibióticos possa variar conforme a região, a resistência bacteriana deve ser considerada, ainda mais quando se trata de condição de elevada prevalência em que o tratamento empírico é comum.
O tratamento baseado exclusivamente nos sintomas urinários durante a gestação pode levar ao uso inadequado de antibióticos, fenômeno conhecido como overtreatment. Essa prática aumenta o risco de resistência bacteriana e compromete a eficácia futura dos medicamentos.
Embora o perfil de sensibilidade bacteriana possa variar de acordo com a região, os dados reforçam a importância de evitar o uso de antibióticos sem confirmação laboratorial, sobretudo em condições comuns como a infecção urinária na gestação. A adoção de condutas baseadas em exames diagnósticos é essencial para proteger a saúde da gestante e prevenir o avanço da resistência bacteriana.

> Tratamento baseado em sintomas + alterações ao exame (urocultura)
Idealmente, urocultura deve ser solicitada em mulheres grávidas com sintomas urinários, antes de iniciar o tratamento. Na falta de urocultura, testes rápidos como Gram de gota, EAS (sedimento urinário, fitas reagentes) podem ser utilizados para auxiliar o diagnóstico.

Atenção!
Nenhum teste rápido substitui a urocultura no diagnóstico da infecção urinária na gestação. O uso de métodos presuntivos pode ser necessário, mas deve ser interpretado com cautela.
Em alguns locais, a urocultura frequentemente não está disponível, mesmo nas unidades de Pronto Atendimento. Mesmo quando é realizada, o resultado pode demorar de 48 a 72 horas, e em alguns casos, até uma semana ou mais.
A solução deve ser discutida com os gestores locais, considerando os recursos existentes em cada território. A organização dos serviços deve buscar:
- Priorizar a realização da urocultura para todas as gestantes com sintomas urinários.
- Garantir o acesso ao exame dentro do pré-natal de rotina.
-
Avaliar estratégias locais para reduzir o tempo de espera pelos resultados.
> Pielonefrite
Os sintomas de pielonefrite (sinais de alarme), uma infecção renal, incluem:
- Febre alta.
- Calafrios.
- Dor lombar.
- Náuseas e vômitos.
- Dor ao urinar.
- Urina turva ou com mau cheiro.
- Sangue ou pus na urina.
-
Vontade frequente de urinar.
A pielonefrite é uma infecção potencialmente grave; pode evoluir com sepse (infecção generalizada) e morte. Por isso, toda gestante apresentando sinais de alarme deve ser orientada a procurar atendimento médico imediatamente.
Se o diagnóstico for confirmado a paciente deve ser imediatamente internada.
Como devem ser tratados os casos de bacteriúria assintomática?
Como ACS, você não vai tomar decisão na escolha do antibiótico. Essa escolha é atribuição do médico. Mas talvez seja importante saber a duração do tratamento, e as doses geralmente utilizadas, ou a quantidade de comprimidos durante o dia.

O abandono do tratamento, ou uso incorreto dos medicamentos, é um problema que pode acontecer. Por isso, se souber que uma gestante está em tratamento de infecção urinária, com antibióticos, pergunte há quantos dias iniciou o tratamento. Pergunte se está tudo bem com os medicamentos, se tem dúvidas sobre o número de dias ou de comprimidos que deve usar.
A tabela a seguir mostra os principais antibióticos usados para tratar a bacteriúria assintomática em gestantes.
Droga | Dose | Duração |
---|---|---|
Fosfomicina trometamol | 3 g | Dose única |
Nitrofurantoína | 100 mg 6/6 h | 5 dias |
Cefalexina | 500 mg 6/6 h | 7 dias |
Cefuroxima | 250 mg 12/12 h | 7 dias |
Amoxicilina | 500 mg 8/8 h ou 875 mg 12/12 h | 7 dias |
Você deve ter visto no quadro acima, que o tratamento completo, em geral, dura 7 dias. Oriente e aconselhe a gestante a seguir o esquema prescrito pelo médico. Se perceber que abandonou o tratamento ou usa os remédios de um modo diferente do prescrito, oriente.
Na dúvida, peça para conversar novamente com o médico.
A tabela abaixo resume pontos importantes sobre o tratamento da infecção urinária em gestantes. Embora a definição do tratamento seja feita pelo médico, o ACS pode ajudar acompanhando se a gestante entendeu bem as orientações. Isso inclui saber por quanto tempo usar o remédio e quando repetir exames.
Escolha do antibiótico | O antibiótico deve ser escolhido de acordo com o perfil de sensibilidade no antibiograma. O médico avalia o resultado do exame e prescreve o tratamento. |
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Qual a duração do tratamento | A duração do tratamento, como regra geral, é de 7 dias. Tratamentos com duração inferior a 7 dias podem ser efetivos, em alguns casos. Se a gestante interromper a medicação antes do término do tratamento, o médico deve ser consultado para avaliar o melhor conduta. |
Como deve ser feito o controle de cura? | Uma cultura de urina deve ser realizada após o término do tratamento. Se o resultado for negativo (ausência de crescimento bacteriano), a paciente é considerada curada. Mas se houver crescimento de bactérias, um novo tratamento é necessário. |
O tratamento supressivo está indicado? | Pacientes que tiveram dois ou mais episódios de cistite aguda ou bacteriúria assintomática, ou um único episódio de pielonefrite, devem receber antibióticos profiláticos durante toda a gravidez. Isso é chamado de tratamento supressivo ou quimioprofilaxia. Os medicamentos mais utilizados são: nitrofurantoína 100 mg/dia ou cefalexina 500 mg/dia. |
As infecções urinárias na gestação exigem atenção especial, pois mesmo assintomáticas podem trazer riscos para a mãe e o bebê. O diagnóstico correto, baseado em exames como a urocultura, e o uso criterioso de antibióticos são fundamentais para evitar complicações e a resistência bacteriana. O agente de saúde tem papel essencial na orientação das gestantes e no incentivo ao pré-natal regular. Ao reconhecer sinais, apoiar na realização de exames e promover o cuidado contínuo, contribui diretamente para a saúde materno-infantil.
