
Aula 3
Toxoplasmose na gestação
Objetivos de aprendizagem:
- Orientar a gestante sobre as formas de transmissão e prevenção.
- Conhecer as consequências da infecção congênita para o bebê.
- Analisar a periodicidade das sorologias na caderneta da gestante, comparando com o protocolo vigente.
- Reconhecer sinais de alarme, como o IgM positivo, na avaliação laboratorial.
- Identificar sinal de alarme na urocultura (presença de bactérias).
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Avaliar se a gestante tem acesso aos medicamentos, quando indicados.
O que é toxoplasmose e toxoplasmose congênita?
A toxoplasmose é uma infecção causada por um protozoário chamado “Toxoplasma Gondii”, encontrado nas fezes de gatos e outros felinos, que pode se hospedar em humanos e outros animais. É causada pela ingestão de água ou alimentos contaminados e é uma das zoonoses (doenças transmitidas por animais) mais comuns em todo o mundo.

Os casos agudos são, geralmente, limitados e com baixas incidências. A fase aguda da infecção tem cura, mas o parasita persiste por toda a vida da pessoa e pode se manifestar ou não em outros momentos, com diferentes tipos de sintomas.
Na infecção crônica, a taxa de incidência é baixa até os cinco anos de idade e começa a aumentar a partir dos vinte.
Na maioria das vezes, a infecção crônica é assintomática. Mas em pessoas imunossuprimidas, a doença pode se manifestar ou reativar, causando complicações graves, que podem incluir dor de cabeça, febre, alteração do estado mental, convulsões, perda visual e até morte. No Brasil, a manifestação crônica mais comum é um problema na retina, que pode persistir ao longo da vida: a retinite causada pelo toxoplasma.
Reconhecer sinais de alarme, como o IgM positivo, na avaliação laboratorial.
A toxoplasmose é uma doença muito frequente, em particular na América do Sul

A toxoplasmose no mundo
A toxoplasmose apresenta uma prevalência bastante variável ao redor do mundo, com taxas particularmente altas em países da América do Sul, África e partes da Europa. Conhecer essa distribuição é essencial para compreender os riscos regionais da infecção e o impacto nas políticas de saúde pública.
A seguir, observe o mapa que apresenta a prevalência da toxoplasmose em diversos países, com base em faixas percentuais distintas:

As consequências da toxoplasmose congênita
A toxoplasmose congênita é transmitida da mãe para o feto, através da placenta, e pode causar problemas graves na criança.

As complicações mais comuns são:
- Coriorretinite (doença ocular).
- Hidrocefalia.
- Calcificações intracranianas.
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Convulsões (doença neurológica).
Podemos perceber também:
- 85% dos casos não apresentam sinais clínicos evidentes ao nascimento. Ou seja, o exame clínico é normal logo após o parto; mas se manifesta à medida que a criança se desenvolve. Por isso é importante o seguimento pós-natal dos bebês expostos na gravidez, por pelo menos 2 anos.
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85% apresentarão cicatrizes de retinocoroidite nas primeiras décadas de vida, e 50% evoluirão com anormalidades neurológicas.
Percebemos na imagem o aspecto típico de lesões oculares bilaterais, inativas e cicatrizadas em um homem de 20 anos com toxoplasmose congênita que já havia experimentado doença ocular recorrente.
Notar as múltiplas pequenas cicatrizes no olho direito (imagem esquerda), cada uma resultante da reativação da doença em um intervalo de 12 anos, e a grande cicatriz macular colobomatosa (imagem direita) típica de infecção congênita e provavelmente presente desde o nascimento.
> Transmissão da mãe para o bebê (transmissão vertical)
A transmissão vertical pode ocorrer de três formas:

Ciclo evolutivo do parasita Toxoplasma gondii
O ciclo de vida do Toxoplasma gondii envolve um hospedeiro definitivo (felinos) e hospedeiros intermediários. Nos felinos, o parasita forma oocistos que são excretados nas fezes e podem infectar outros hospedeiros. Nos hospedeiros intermediários, o parasita forma os cistos teciduais. Conheça o ciclo do parasita a seguir:

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Os oocistos são eliminados em grande número nas fezes do gato, geralmente durante uma a três semanas, e levam de um a cinco dias para se tornarem infectantes.
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Os hospedeiros intermediários na natureza (incluindo pássaros e roedores) são infectados após o consumo de solo, água ou material orgânico contaminado com oocistos.
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Os oocistos transformam em cistos teciduais nos hospedeiros intermediários.
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Os gatos são infectados após consumir hospedeiros intermediários que abrigam cistos de T. gondii no tecido ou se infectam diretamente pelo consumo de oocistos.
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Animais criados para consumo humano e caça selvagem também podem ser infectados após o consumo de oocistos do ambiente, e o agente se alojará nos seus tecidos.
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O consumo de carne malpassada de animais com cistos teciduais pode transmitir toxoplasmose.
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Consumir alimentos ou água contaminada com oocistos ou manusear caixas de areia com fezes de um gato que está eliminando oocistos sem os devidos cuidados podem transmitir toxoplasmose pela via oral.
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Transfusão de sangue ou transplante de órgãos de indivíduos com toxoplasmose pode transmitir toxoplasmose.
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Os fetos podem ser infectados por transmissão vertical.
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No hospedeiro humano, os parasitas formam cistos nos tecidos, mais comumente no músculo esquelético, no miocárdio, no cérebro e nos olhos. Esses cistos podem permanecer durante toda a vida do hospedeiro.
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O diagnóstico de infecções congênitas também pode ser realizado pela detecção do DNA do T. gondii no líquido amniótico por meio de métodos moleculares.
> Prevenção da toxoplasmose na gravidez
Muitas pessoas denominam a toxoplasmose como “a doença do gato”, porque o gato faz parte do ciclo evolutivo do Toxoplasma gondii. Sim, isso é verdade, mas os gatos domésticos não são a principal fonte de transmissão da toxoplasmos.

Gatos domésticos: são mesmo os vilões da toxoplasmose?
Conheça os fatores que reduzem o risco de contaminação.
Evidência | Explicação |
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Eliminam oocistos apenas uma vez na vida. | A fase de eliminação de oocistos nas fezes ocorre na infecção aguda (começa em 3–5 dias após a infecção aguda e termina em cerca de 20 dias). |
Gatos que comem ração não se infectam. | Gatos alimentados com ração industrializada não consomem carne crua ou presas infectadas, o que reduz drasticamente a infecção. |
Oocistos levam 1–5 dias, após a eliminação nas fezes, para se tornar infectantes. | Se a caixa de areia for limpa diariamente, o risco de contato com oocistos infectantes é praticamente nulo. |
Gatos têm boa higiene. | Eles não carregam oocistos na pele e mordidas ou arranhões não transmitem toxoplasmose. |
Fontes de transmissão
As principais fontes de transmissão da toxoplasmose são alimentos e águas contaminadas com oocistos ou carnes e derivados contendo cistos teciduais.
> Orientações para prevenção da transmissão
A seguir, conheça as recomendações necessárias para evitar a contaminação por meio dos alimentos e animais.
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Cozinhar completamente todos os tipos de carne, incluindo porco, embutidos, frango, frutos do mar e outros, antes do consumo.
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As carnes vermelhas devem ser cozidas até perder completamente a cor avermelhada. O cozimento por micro-ondas não é confiável para matar T. gondii.
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O congelamento de carne a uma temperatura interna de 12°C mata cistos teciduais de T. gondii, porém o método não é confiável na prática, pois não é garantido o alcance dessa temperatura em condições usuais. O processo de fabricação de embutidos não mata os cistos teciduais.
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Evitar a contaminação cruzada de carne crua para outros alimentos, lavando as mãos completamente após o manuseio da carne, bem como as tábuas de corte, pratos, bancadas e utensílios, que devem ser bem lavados com água tratada e sabão.
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Beber apenas água filtrada ou fervida. Não consumir alimentos ou bebidas feitas com água que não seja filtrada ou fervida, como sorvete e sucos, pois esse comportamento pode causar infecção por T. gondii.
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Em lugares onde não há saneamento básico, ferver ou filtrar a água não apenas para consumo, mas também para medidas de higiene (por exemplo, escovar os dentes) e para lavar alimentos e utensílios de cozinha.
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Frutas e legumes devem ser lavados corretamente e com água adequadamente tratada antes do consumo, mesmo antes de descascar as frutas. Os mesmos cuidados recomendados para os utensílios após manuseio de carne devem ser tomados após o manuseio dos vegetais potencialmente contaminados com oocistos. De preferência, a gestante não deve consumir alimentos fora do ambiente domiciliar, principalmente saladas.
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Evitar beber leite e produtos lácteos elaborados com leite não pasteurizado, pois eles podem conter taquizoítos de T. gondii.
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Cobrir a areia de áreas onde as crianças realizam atividades de recreação, para evitar que os gatos a usem como uma caixa de areia.
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Mudar a areia da caixa dos gatos de estimação diariamente para que os oocistos excretados não tenham tempo de se tornarem infecciosos. Mulheres grávidas e indivíduos imunocomprometidos devem evitar manusear as caixas de areia; se não houver mais ninguém disponível para trocar a areia, usar máscara facial e luvas, e lavar as mãos com sabão e água adequadamente tratada em seguida.
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Não alimentar gatos com carne crua ou malpassada e evitar que eles circulem no ambiente externo, onde possam ingerir roedores e passarinhos.
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Evitar o contato com gatos de rua ou de outros domicílios, onde os cuidados recomendados não estão garantidos. Os filhotes são os mais contaminantes.
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Cães e outros animais de estimação, exceto gatos, não transmite o T. gondii pelas fezes; porém, se frequentarem a rua, é possível que sirvam de vetores mecânicos por carregar oocistos em seus pelos e patas, motivo pelo qual a higiene desses animais deve ser observada rigorosamente em caso de gestante ou pessoa imunocomprometida no domicílio.
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As mulheres grávidas e os indivíduos imunocomprometidos devem usar luvas e máscara facial ao manusear areia e fazer jardinagem, e, depois, lavar as mãos com sabão e água tratada adequadamente.
Como e quem deve passar todas essas informações para a gestante?
Os serviços de saúde precisam promover essa educação com informações a respeito das formas de prevenir a contaminação por T. gondii, incluindo a higiene alimentar, o consumo de água filtrada ou fervida e o controle da exposição a fontes ambientais contaminadas.

Vimos que são muitas as informações para prevenção primária da toxoplasmose. Médicos e enfermeiros podem não ter tempo suficiente para conversar sobre todas as medidas de prevenção durante a consulta de pré-natal. A equipe de saúde pode implementar outras estratégias de informação para prevenção da toxoplasmose, tais como:

Distribuição de folhetos informativos.

Palestras e reuniões em sala de espera, com este tema.
Mesmo participando de atividades educativas, a gestante pode não aderir às recomendações, por diversos motivos. Durante as visitas domiciliares, o ACS deve estar atento ao ambiente e aos hábitos da mulher e da família. Se perceber que algum hábito ou comportamento diverge das recomendações descritas acima, pode conversar educadamente com a gestante e familiares, reforçando informações preventivas.
> Investigação da Toxoplasmose na Gravidez: Interpretação dos exames e condutas Recomendadas
A pesquisa ou rastreio da toxoplasmose é realizada através dos exames sorológicos IgG e IgM. Este exame deve ser solicitado sempre na primeira consulta.
Os exames realizados são sorológicos:
- IgG: indica contato prévio com o parasita.
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IgM: indica infecção recente ou em andamento.

Atenção!
A interpretação dos resultados e a conduta clínica são responsabilidades da equipe médica. No entanto, o ACS pode contribuir com informações importantes para o acompanhamento e prevenção.
A seguir, veja os resultados sorológico possíveis, suas interpretações e as condutas recomendadas.
A viragem sorológica ocorre quando uma gestante que era IgG- e IgM- passa a apresentar IgG+ e IgM+, indicando infecção durante a gravidez.
Quando o primeiro exame é realizado após a 16ª semana, pode ser difícil saber se a infecção aconteceu antes ou durante a gravidez.
Nesses casos, por precaução, a gestante deve usar medicação até o final da gestação, para reduzir o risco de transmissão vertical.
Percebeu a importância de realizar os exames para toxoplasmose antes de 16 semanas?
Tratamento da toxoplasmose durante a gravidez
O tratamento para toxoplasmose é definido pelo médico. Muitas vezes pelo médico especialista. Existem dois regimes utilizados para gestantes com toxoplasmose. Um regime com um único medicamento: a espiramicina. E um regime com três medicamentos, chamado esquema tríplice (pirimetamina, sulfadiazina e áciido fólico). Atualmente, o regime mais utilizado é o esquema tríplice:
- Pirimetamina.
- Sulfadizina.
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Ácido folínico.
> Medicamentos utilizados no tratamento da toxoplasmose na gravidez
O tratamento para toxoplasmose possui dois esquemas de medicamentos, conheça a seguir:
O papel do ACS no seguimento da gestante em tratamento para toxoplasmose

Acompanhamento de casos expostos após o nascimento
Após o parto, a mulher com quadro suspeito ou confirmado de toxoplasmose aguda na gestação pode interromper o tratamento. Exceto em casos especiais, com comprometimento ocular, a gestante ou qualquer adulto com toxoplasmose não necessita de tratamento.

O tratamento na gravidez tem por objetivo prevenir a transmissão vertical ou tratar o feto já infectado ou com suspeita de infecção.
Para o recém-nascido, o rastreio da toxoplasmose congênita não termina com o parto. Todos os bebês expostos à toxoplasmose durante a gestação precisam ser acompanhados em serviços especializados.
Vimos que as consequências mais comuns da toxoplasmose congênita são a toxoplasmose ocular e neurológica.

Atenção!
É importante lembrar que os bebês devem ser acompanhados por até 2 anos para verificar se foram afetados e tratados quando indicado pela equipe médica.
> Qual é o papel do ACS, nestes casos?
Na consulta pós-parto, ou em visitas domiciliares, lembre-se que, se a mulher teve toxoplasmose aguda na gestação, uma consulta de seguimento da criança deve ser agendada.
Clique aqui e saiba mais sobre o teste do Pezinho para detecção da toxoplasmose congênita que foi instituído pela Portaria nº 7, de 4 de março de 2020.
É importante reforçar que o papel do Agente Comunitário de Saúde é fundamental na prevenção e tratamento da toxoplasmose durante a gestação. Orientar as gestantes sobre hábitos de higiene, alimentação segura e a importância do pré-natal contribui diretamente para a redução dos riscos de infecção. Além disso, o acompanhamento contínuo e o encaminhamento adequado em casos suspeitos fortalecem a rede de cuidado. Com informação clara e ações simples, é possível proteger a saúde da mãe e do bebê.
